Com manejo sustentável, peixe símbolo da Amazônia recupera estoque natural na região do médio Solimões
Opirarucu (Arapaima gigas) simboliza ao mesmo tempo a grandiosidade e o potencial da economia da Amazônia.
Ao entrar para a lista de espécies com risco de extinção em 1996, a pesca extrativa foi proibida e o peixe se tornou objeto de pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
Quase 25 anos depois da implementação do primeiro plano de manejo sustentável, em 1999, a unidade vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) consolida um exemplo bem-sucedido de desenvolvimento sustentável.
“A espécie estava ameaçada e o manejo sustentável foi o responsável pela recuperação da população”, afirma o diretor do Mamirauá, João Valsecchi.
O pirarucu, contudo, continua na lista do Anexo 2 da convenção internacional de espécies com risco de extinção porque não há projetos de manejo em toda a extensão da bacia amazônica. Mas, na região do médio Solimões, desde que o manejo sustentável do pirarucu foi adotado, a população da espécie aumentou 620% - um crescimento médio anual de cerca de 25%.
O cálculo é do Instituto Mamirauá.
“Não precisa entrar na área de reserva para ver o pirarucu.
Hoje, a população voltou a níveis naturais nessas áreas que fazem com que, naturalmente, haja uma migração para o rio”, explica a coordenadora de manejo de pesca do instituto, Ana Cláudia Gonçalves.
Segundo ela, no Amazonas há duas possibilidades de manejo legal: a piscicultura e a pesca extrativa sustentável.
O Instituto Mamirauá presta assistência na segunda modalidade. Para trabalhar legalmente com o pirarucu, o Plano de Manejo Sustentável precisa ser aprovado pelo Ibama.
“O tempo de implementação do projeto de manejo varia, pode levar um ou vários anos”, relata Ana Cláudia.
Uma vez aprovado o plano, o Ibama emite a primeira autorização, que será considerada a ‘pesca-piloto'.
“Sendo bem executada e prestado contas, é possível renovar o pedido.
A autorização saiu em agosto, mas precisa de uma condição ideal de água para o escoamento da produção”, diz a coordenadora.
A captura do pirarucu é realizada da segunda quinzena de outubro e a 30 novembro, data limite para autorização da pesca. Isso porque o período de dezembro a maio compreende o defeso, para a reprodução dos peixes.
“Uma premissa básica do manejo é respeitar o defeso”, afirma Ana Cláudia.
Além da quantidade, as análises do Instituto Mamirauá também indicam que o tamanho médio do pirarucu aumentou. Em 1998, a média era de 1,27 metro. As medições realizadas em 2022 revelaram que o peixe passou a ter 1,80 m, em média.
Produção
O projeto iniciou com a adoção da técnica do manejo sustentável por uma localidade.
Atualmente, são 12 áreas de produção manejada. O Mamirauá assessora tecnicamente 41 comunidades e quatro organizações de pescadores, com capacitações e apoio na elaboração dos planos de manejo.
O projeto beneficia 1.176 pessoas. A cota de pesca autorizada pelo Ibama para as localidades assessoradas pelo Mamirauá para a temporada de pesca de 2023 é de 14.983 peixes ou 749 toneladas.
O número representa um crescimento de cerca de 15% em relação ao ano passado. Em geral, as comunidades pesqueiras capturam mais de 90% da cota estabelecida.Em 2022, o faturamento superou R$ 4,3 milhões e promete crescer neste ano. Enquanto o preço médio de comercialização do pirarucu no Amazonas em 2023 foi de R$ 4,50/kg, as comunidades que contam com a assessoria técnica do Instituto receberam em média R$6,68/kg, atingindo R$ 10,00 em algumas localidades.
O valor quase 50% superior é resultado de um esforço do Mamirauá em articular arranjos comerciais, buscando comercializar diretamente com os frigoríficos, reduzindo os intermediários.
“É um conjunto de estratégias para tentar valorizar o produto. Além disso, iniciamos o processo de indicação geográfica do pirarucu, participamos da rede Origens Brasil, e com outros parceiros uma marca coletiva chamada Gostos da Amazônia”, conta Ana Cláudia.
O selo de procedência da Indicação Geográfica Mamirauá foi concedido em 2021 pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).Para as comunidades pesqueiras, a renda proveniente do pirarucu manejado tem impacto significativo, representando até 40% de toda a renda proveniente da pesca e 15% da renda geral.
Segundo o Mamirauá, o ganho bruto por pescador em cada temporada, apenas com o pirarucu, se aproxima de R$ 4 mil. A concentração da renda em um período também influencia a capacidade dos pescadores para o planejamento, como a melhora das condições de moradia, investimento na atividade e na educação dos filhos.
“O manejo traz um conjunto de benefícios”, analisa.
Conhecimento tradicional
Os números impressionantes são resultado do trabalho que alia tecnologia e conhecimento tradicional. A cota de pesca é estabelecida por meio de uma metodologia de contagem dos peixes publicada em 2004.
“A metodologia de contagem do pirarucu tem como alicerce o conhecimento tradicional do pescador, e é validado pela ciência”, relata a coordenadora.
Segundo ela, o pescador de pirarucu é um especialista na captura da espécie, mas ainda assim, não é todo pescador que sabe contar o pirarucu.
Outro aspecto que Ana Cláudia Gonçalves destaca é a relação que os pescadores estabeleceram com as áreas de produção.
“O manejo possibilitou a proteção dos territórios, governança, estabilidade da comunidade, geração de renda e a permanência da população no território sobrevivendo dessa geração de renda.”
Investimento
O MCTI investiu na construção de um entreposto de beneficiamento do pirarucu. O flutuante, planejado para aprimorar o sistema de pré-beneficiamento, utiliza energia solar para tratar a água retirada do rio que é utilizada na lavagem dos peixes.
Além disso, permitiu avançar nas boas práticas de manipulação e na ergonomia dos manipuladores do peixe.
“Já conseguimos comprovar que isso melhora a qualidade do produto final, aumenta o tempo de prateleira e de armazenamento no frigorífico”, ressalta. Seca na Amazônia
A seca na Amazônia, decorrente dos fenômenos El Niño e do aquecimento do Atlântico Tropical Norte, afetou a navegação dos canais de acesso para a chegada dos pescadores até os lagos. Outra preocupação envolve os custos para escoar a produção.
“Em anos de seca, os custos com combustível crescem por conta das distâncias que aumentam de seis para 10 horas, em média, na maioria das áreas”, exemplifica.
Questionada se a seca pode provocar mortalidade do pirarucu, a coordenadora explica que a espécie é uma das mais resistentes, e os peixes têm respiração aérea, capturando ar da atmosfera.
“Isso traz um pouco de vantagem em relação aos outros peixes que têm apenas respiração aquática”, afirma Ana Cláudia.
Segundo o Mamirauá, mesmo em períodos de seca extrema, as ações de assessoramento às comunidades de pesca manejada não são interrompidas.
“Com isso, garantimos a manutenção da produção pesqueira, assegurando renda, mesmo em um ano de seca extrema”, afirma o diretor.
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